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Ao analisarmos a evolução histórica do instituto falimentar nos deparamos com situações completamente reprováveis se comparadas ao nosso atual ordenamento jurídico eis que o devedor respondia à época por suas obrigações com sua liberdade e até mesmo com sua vida!
No período mais ancestral, anterior a Lei das XII Tábuas, era comum a cessão pessoal do devedor ao credor, ou seja, pelo período de sessenta dias o endividado deveria manter-se em estado de submissão ao credor.
Durante este interim, caso o devedor não fosse capaz de saldar a dívida, o credor poderia comercializa-lo como escravo ou ainda, pasmem, mata-lo e dividir seus pedaços entre os credores da dívida contraída.
Tal bárbaro acontecimento era resultado da responsabilização pessoal do devedor por sua insolvência, fato que perdurou até pouco antes do ano de 430 a.c., quando foi instituída a responsabilização patrimonial e não pessoal.
O instituto evoluiu substancialmente passando a adotar procedimentos menos atentatórios até que a figura do Juízo surgiu com intuito de solucionar os conflitos a quem competia arrecadação dos bens, individualização dos créditos e posterior partilha dos bens aos credores.
Hoje em dia, embora tenhamos prosperado profundamente acerca da sistêmica do processo falimentar, o devedor ainda é visto por grande parte da sociedade empresarial bem como por diversos credores como um ludibriador que utiliza-se da legislação com propósitos desonestos.
Tal visão novamente nos remete aos primórdios, cabendo retroceder a etimologia da expressão falência que adveio do latim fallere, ou seja faltar, demonstrando um sentido pejorativo aqueles que não logravam êxito em suas relações comerciais.
Outra expressão utilizada no mesmo sentido era a bancarrota, sendo que os franceses chamavam de banque em route, como referencia a “banco quebrado” por intermédio da qual definiam a falência criminosa.
Os portugueses por sua vez, empregavam a palavra quebra para definir o instituto da falência, emergindo em nosso vocábulo popular o “quebrado” significando miserável, desvaído, arruinado.
Ocorre que nos dias de hoje a sociedade ainda possui resquícios aglutinados daquela época onde a perspectiva do devedor era considerada pratica delituosa, isto ocorre em face de diversos empresários aderirem a uma espécie de recuperação preparada.
Neste caso o devedor, que muitas vezes ainda possui viabilidade de desvencilhar-se da impontualidade, acaba optando por utilizar seu último folego financeiro e intelectual alinhavando-se em um planejamento estrutural com intuito de desvirtuar a finalidade real da recuperação judicial.
Neste momento, antes do pedido de recuperação judicial, o devedor serve-se de eventuais bons relacionamentos que ainda possui com fornecedores e realiza grandes compras de insumos a prazo para estoque bem como se vale de empréstimos vultuosos tendo plena ciência do seu não pagamento.
Outro ato que infelizmente intercorre é a venda de ativos da empresa como imóveis, veículos e demais bens, sendo que o montante auferido com tais negociações não passa a integrar o caixa da empresa que se pretende pedir recuperação.
Assim, quando a empresa já esta sem liquidez e estoque e os sócios com significantes valores desviados, ocorre o pedido de recuperação judicial.
É claro que estamos tratando aqui de situações que se excepcionam a regra, porem contribuem substancialmente para a formação de um conceito cultural que acaba por avariar o verdadeiro objetivo da recuperação judicial.
Por tais motivos, quando a empresa encontra-se em estado recuperacional, os relacionamentos comerciais ficam inevitavelmente estremecidos devido ao temor tanto por parte dos fornecedores quanto dos consumidores em se inter-relacionar com a recuperanda temendo a ineficácia dos negócios realizados, trazendo ainda mais dificuldade ao reestabelecimento da atividade empresária.
Entretanto, devemos considerar que o instituto da recuperação é construtivo e probo ainda mais perante o cenário econômico que vivemos, contudo torna-se necessário o cumprimento esmerado da Lei 11.101/2005, acrescido de bom senso comportamental por parte do setor empresarial.
Somente desta forma poderemos atingir a finalidade da recuperação judicial, mantendo empresas ativas, pagando débitos, preservando empregos e conservando as relações com fornecedores e consumidores imaculadas.
Assim, por via de consequência conseguiremos rechaçar os pré-conceitos ancestrais acerca do devedor que não devem, de maneira alguma, se perpetuar no tempo pelo bem da sociedade civil e empresarial.
Rafael Dall Agnol
Advogado sócio fundador do escritório Dall Agnol & Quinto e Administrador Judicial
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A princípio evidenciamos que o juízo da falência exerce uma espécie de atração universal, ou seja, ele avoca a competência de todas as ações acerca de bens, interesses e negócios do falido, também conhecida como “vis attractiva”.
O vocábulo latim acima transcrito diz respeito a uma força atrativa, isto é, o juízo da falência absorve qualquer relação patrimonial decorrente da sociedade, porém, o mesmo dispositivo que outorga essa atração de competência (artigo 76, Lei 10.101/2005) também excepciona algumas situações, dentre elas as decorrentes de Reclamações Trabalhistas.
Ocorre que os processos que tramitam perante a Justiça do Trabalho não serão atraídos para o Juízo de falência, devendo ter seu regular trâmite nas varas originárias, isto ocorre por força do artigo 114, I, da Constituição Federal de 1988, que determina a competência exclusiva da Justiça Trabalhista para processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho.
Desta forma, na hipótese de existir uma Reclamação Trabalhista em desfavor de uma empresa em processo recuperacional e/ou falimentar, e durante o curso do processo sobrevier à falência do ente patronal, a ação não será destinada ao Juízo de falência em razão de sua incompetência para julgar tal matéria.
Assim, a reclamação trabalhista continuará tramitando normalmente na Justiça do Trabalho até a sentença final, somente depois desse momento, e com o devido trânsito em julgado da sentença, poderá o trabalhador habilitar seu crédito perante no Juízo falimentar com as devidas garantias que a lei lhe confere.
Uma questão importante a destacar cinge-se ao fato de que o crédito trabalhista, apurado na respectiva esfera, não estará sujeito à impugnação no processo de habilitação, haja vista que o Juízo falimentar não tem competência para reformar sentença trabalhista.
Outro viés que merece destaque é que, embora a Justiça do Trabalho atue habitualmente de forma célere, se por motivos diversos a ação não se consumar tempestivamente para a habilitação do crédito no juízo falimentar, o Magistrado poderá proceder ao “pedido de reserva”.
Tal determinação é utilizada para estabelecer uma reserva de importância que se conjectura devida na recuperação, desta forma, se reconhecido líquido o direito, o crédito será incluído na classe correspondente.
Percebemos em remate que, embora a “vis attractiva” exista no processo falimentar, o legislador procurou, prudentemente, excepcionar certas situações garantindo a não interferência de um Juízo sobre o outro em consonância com os mandamentos da Carta Magna, porém garantindo as benesses da respectiva classe quando da habilitação dos créditos mesmo que em tempo diverso dos demais credores.
Mike Artur Ribeiro Vianna Quinto
Advogado sócio fundador do escritório Dall Agnol & Quinto
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